terça-feira, 26 de setembro de 2017

Curar a falta de amor

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O amor não deve ser entendido como mero sentimento – também o é e é bonito –, mas como postura que permite a humanidade se realizar humanamente.
Num jogo capitalista, a falta de amor, camuflada de interesse científico, faz de pessoas sãs, doentes, escondendo onde reside, de fato, a patologia.
Num jogo capitalista, a falta de amor, camuflada de interesse científico, faz de pessoas sãs, doentes, escondendo onde reside, de fato, a patologia. (Divulgação/ Pixabay)
Por Tânia da Silva Mayer*

Estamos todos doentes, quando nos falta amor. Quantas pessoas vivem tristes, deprimidas, amarguradas, angustiadas porque não são capazes de amar e nem de se sentirem amadas! Quando há ausência do amor, adoecemos, minguamos, desumanizamo-nos. O amor nos humaniza porque ele é em nós abertura para o outro, para acolhê-lo em sua realidade, com sua história e a dramática da sua vida. Quando amamos, estamos livres para sermos quem somos, realizando-nos eticamente com os outros com os quais nos relacionamos e convivemos. Por isso, o amor não deve ser entendido como mero sentimento – também o é e é bonito –, mas como postura que permite a humanidade se realizar humanamente.

No entanto, não basta a abertura ao outro para que haja a realização ética. Tal abertura deve cumprir a tarefa de responsabilizar-se pelo “eu” e pelo “outro”. A primeira responsabilidade, necessária e fundamental, é a garantia da vida. Esta deve ser considerada e preservada. Por isso, contrário ao amor é a morte. E não estamos falando apenas da morte definitiva, programada para um dia que não conhecemos, mas que sabemos que acontecerá. Contrário ao amor são todas as mortes que provocamos simbólica, verbal e psicologicamente em nós e no outro. Nesse sentido, não há amor e nem realização ética quando a vida é diminuída e ameaçada. O que há são mortes.

Quando insistimos que uma condição existencial, uma orientação afetivo-sexual, pode ser considerada doença, mesmo quando órgãos respeitados e credenciados afirmam o contrário, é sintoma de que o amor está doente, ou de que as pessoas estão precisando ser curadas da falta de amor. Um passo retrógrado na sociedade brasileira é impedir que o Conselho Federal de Psicologia possa afastar profissionais da psicologia que proponham terapias de reversão para pessoas homossexuais com o objetivo de promover uma re-orientação sexual. A determinação do juiz federal, Waldemar Cláudio de Carvalho, enfraquece um debate antigo, porém esclarecido, de que a homossexualidade não é doença e sim uma variante na sexualidade humana. No fundo, a ideia de re-orientação sexual se ajusta muito bem a concepção de conversão (em sentido religioso?). Converter-se significa, entre outras coisas, mudar a orientação, o caminho, voltar-se para outro lugar, reorientar-se. Num jogo capitalista, a falta de amor, camuflada de interesse científico, faz de pessoas sãs, doentes, escondendo onde reside, de fato, a patologia.

O único remédio para curar a falta de amor é o amor. Por isso, os autores bíblicos insistiram que o Deus de Jesus é apaixonado e amoroso por suas criaturas. Dessa revelação não se pode abrir mão, pois ela afirma que somente esse amor é capaz superar o pecado e vencer os muitos sinais de morte que persistem em nosso meio. Por isso, é urgente testemunhar a abertura ética ao outro, acolhê-lo em sua realidade, bem como ajudá-lo no enfrentamento dos preconceitos e das ignorâncias. Os cristãos e as cristãs serão reconhecidos pelo amor. Que esse amor não nos falte, que não estejamos adoecidos da falta dele, para seguir denunciando tudo o que fere e mata. 

*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com.

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