terça-feira, 22 de agosto de 2017

Vestido de noiva não apaga estupro

domtotal.com
A organização feminista libanesa, sob a liderança de Roula Masri van Abaad, iniciou uma campanha nacional para o fim desta 'lei da idade da pedra'.
As feministas não esperam um milagre imediato, mas o fim daquele artigo 522 pode marcar o início de uma nova fase.
As feministas não esperam um milagre imediato, mas o fim daquele artigo 522 pode marcar o início de uma nova fase. (Reprodução)
Por Lev Chaim*

Imaginem uma menina linda, tímida, com apenas 13 anos de idade e um homem de 30 anos que a estupra e não vai preso porque se casa com ela. Este é o artigo de lei de número 522, que está no código penal do Líbano, que também aborda o casamento de menores de idade e o próprio estupro dentro do casamento. Se você está chocado, não se estranhe: eu também fiquei, já que tinha uma ideia totalmente errada daquele diversificado país. 

Na minha cabeça, depois de Israel, o Líbano era o mais moderno de todos eles no Oriente Médio. Ledo engano. E isto porque, há pouco tempo, o parlamento da Tunísia suprimiu esta absurda lei de seu código penal, seguido depois pela Jordânia. Devido ao fato, ativistas libaneses para a liberdade das mulheres intensificaram sua campanha para que ocorra o mesmo no país. O projeto de lei está no parlamento com uma séria de dificuldades para ser aprovado: o Líbano possui 18 religiões diferentes, desde maronitas a drusos  e xiitas; e cada cada grupo é quem define as suas regras de casamento e relações familiares. 

A organização feminista libanesa, sob a liderança de Roula Masri van Abaad, iniciou uma campanha nacional para o fim desta ‘lei da idade da pedra’, como mesmo disse a ministra libanesa, Jean Oghassabian. Sob o título, “Um vestido de noiva não apaga um estupro”, as feministas libanesas espalharam por Beirute um série de vestidos de noivas, para pressionar os deputados do parlamento a desfazerem esta lei. Na verdade, ela só dá vantagens ao estuprador, obrigando a vítima a se casar com quem a violentou, somente para que marmanjão não vá para a cadeia. É o cúmulo e todos se perguntam: quem é o culpado aqui? 

Esta luta das mulheres libaneses data do início dos anos 90 e só agora ganhou mais força com a aprovação pelo congresso do país vizinho, a Jordânia, pela abolição deste infame artigo que, na verdade, pune a vítima e não o bandido. Além disto, é uma lei que limita a liberdade da mulher dentro do próprio casamento, onde ela fica totalmente a mercê da vontade do marido. Organizações humanitárias, como ‘Equality Now’ e ‘Human Rights Watch’ também lutam para a abolição desta lei em outros lugares do Oriente Médio tais como Bahrein, Iraque, Kuwait, Palestina e Argélia. 

Antes, ela já havia sido abolida no Marrocos em 2014 e no Egito em 1999.  E por incrível que pareça, fora do mundo muçulmano, a abolição de uma lei semelhante não ocorreu há muito tempo, tal qual na Costa Rica em 2007; no Uruguai, pasmem, em 2006; na Romênia em 2000; na França em 1994 e na Itália em 1981. Isto de acordo com informações publicadas recentemente no jornal holandês De Volkskrant. As antigas colônias francesas, como Líbano e Argélia, adotaram esta “lei da idade da pedra” do código penal francês. Se agora o parlamento libanês aprovar o seu fim, será um passo à frente na luta contra a repressão da mulher naquele país. As feministas não esperam um milagre imediato, mas o fim daquele artigo 522 pode marcar o início de uma nova fase para a independência da mulher, no Líbano e no mundo muçulmano.

*Lev Chaim é jornalista, colunista, publicista da FalaBrasil e trabalhou mais de 20 anos para a Radio Internacional da Holanda, país onde mora até hoje. Ele escreve todas as terças-feiras para o Domtotal. 

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