terça-feira, 22 de agosto de 2017

Ousadia e alegria

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Ousadia e alegria são duas posturas que precisam ser cultivadas pelas cristãs e pelos cristãos contemporâneos.
É preciso ser alegre na ousadia de perseverar no horizonte da fé cristã.
É preciso ser alegre na ousadia de perseverar no horizonte da fé cristã. (Divulgação/ Pixabay)
Por Tânia da Silva Mayer*

Vivemos tempos bastante difíceis para o florescimento da fé cristã. Ser seguidor e seguidora de Jesus não é algo evidente para nós. Nunca foi. Mas o anúncio e a experiência existencial do Evangelho convivem com outras muitas ofertas de espiritualidades, nem sempre familiares à proposta cristã. O fato é que ser um autêntico cristão e uma autêntica cristã hoje é encarado como algo careta, fora de moda. E a mensagem de Jesus Cristo é tomada como algo delimitado temporalmente, especifica demais para uma época que já passou, insuficiente para os nossos tempos. Descontextualizada. Tudo isso enfraquece cada vez mais a vivência e o anúncio da fé, cria medos naqueles que são os responsáveis por transmiti-la aos nossos contemporâneos.

Na “Alegria do Evangelho”, o Papa Francisco relembra uma série de dificuldades encontradas pelos seguidores e seguidoras de Jesus no anúncio do Evangelho. O hedonismo, que é a busca desenfreada pelo prazer a qualquer custo, distancia-nos dos outros fazendo de nós pessoas idólatras do próprio ego. Quando isso acontece, qualquer alteridade é posta em segundo plano, deixamo-nos de nos responsabilizar pelo outro, sobretudo o pobre, descartando-o muitas vezes. Tudo isso nos afasta do projeto de Jesus Cristo, que se tornou semelhante a nós em nossa humanidade, mostrando-nos que a Deus interessa as pessoas e que somos convidados a construir entre nós relações equânimes. Mas para isso acontecer, precisamos reaprender que não podemos comprar amigos, familiares, vizinhos queridos, pessoas que realmente significam para nós. Segundo o Papa, a sociedade de consumo nos faz pessoas tristes e sem esperança:

O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado. (ALEGRIA DO EVANGELHO, Nº 2)
Por isso, há duas posturas que precisam ser cultivadas pelas cristãs e pelos cristãos contemporâneos: ousadia e alegria. A ousadia consiste no rompimento com uma cultura que nos diminui em humanidade, porque impede-nos de nos realizarmos com os outros no mundo, numa relação de reconhecimento mútuo de dignidades. Remar contra a maré da sociedade de consumo, que tudo compra e nada possuiu, só é possível com a consciência de se possuir uma liberdade deveras libertada, não aprisionada aos sistemas de escravidão impostos por uma sociedade entristecida. Por isso, as dificuldades que se apresentam não devem desencorajar quem acredita no Projeto de Jesus, no Reino de Igualdade por ele anunciado. Antes, é preciso cultivar certa coragem diante das tribulações do mundo, e seguir na esteira da ousadia que o próprio Mestre ensina: “Coragem, eu venci o mundo” (Jo 6,33).

A ousadia de superar o sistema de escravidão que mata, no qual estamos imersos e com o qual contribuímos, em certa medida, não pode desvincular-se da alegria. O próprio Papa relembra-nos daqueles entre nós que parecem nunca ter experimentado a novidade pascal, encerrando-se numa quaresma cotidiana e sem fim. É preciso ser alegre na ousadia de perseverar no horizonte da fé cristã. Tal alegria não diz respeito aos prazeres ou aos sucessos passageiros que vivemos. Nossa alegria reside no fato de nos sabermos amados pelo Deus que se revelou em Jesus, na esteira da opção pelas vítimas do mundo. Essa alegria que experimentamos, “da qual ninguém está excluído”, é o que alimenta nossa coragem para afirmar, num movimento de contra-cultura, que vale a pena ser seguidor e seguidora de Jesus, porque sua mensagem tem muito mais a oferecer à humanidade do que qualquer coisa que um cartão de crédito possa comprar. Precisamente, porque é uma mensagem plena de vida, vida abundante, vida digna.

*Tânia da Silva Mayer é mestra e bacharela em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE); graduanda em Letras pela UFMG. Escreve às terças-feiras. E-mail: taniamayer.palavra@gmail.com.

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